
ESPECIAL / EUROTRIP
Corra, mas pare para curtir Banksy em Barcelona
Neste terceiro da série, jornalista recomenda arte e corridas na capital catalã







Texto 2: Mundo de hoje parece vagamente com o de 2017
A gente tem, com as cidades que só visita às vezes, uma linha do tempo à parte.
Por exemplo: fui a Barcelona aos 23 e aos 32 anos. Voltando agora, aos 45, era como se aquelas idades estivessem pausadas, porque eu não tinha vivências por lá nos intervalos.
Rever Barcelona, então, primeiro foi me lembrar como um universitário tirando fotos de braços abertos nas vielas mais estreitas do bairro Gótico e passeando com um pão-durismo neurótico, como alguém cercado por aspiradores malévolos de euros. Aos 32, voltei empolgado em falar espanhol até com a sombra dos nativos, uma empolgação nem sempre bem-vista pelos falantes de catalão.
Aos 45, agora, corri por Barcelona, e aí está uma dica. Não falo de provas ou de treino em um lugar específico, mas de acordar cedo e sair correndo pela cidade, quase como naqueles comerciais de tênis em que corredores irritantemente motivados madrugam.
A ideia foi da minha noiva, e quando ela me acordou às 6h eu a amaldiçoei com toda minha força de um vagabundo em férias, mas ela tinha razão. Os espanhóis começam o dia um pouco mais tarde¹, então percorremos praças, Ramblas e bairro Gótico sob vazios acentuados pela memória desses lugares como sempre apinhados e barulhentos.
Pausamos para apreciar alguns pontos, como o Arco do Triunfo, e chegamos à praia da Barceloneta com o sol ainda mal aquecendo. Fizemos um pedaço da orla, completamos 8 km e voltamos para o apartamento liberando endorfina em meio ao tédio e à hostilidade matinais do metrô já lotado.
No segundo dia saímos mais tarde e esbarramos em muitos pedestres. Subimos os quase 200 metros da colina de Montjuïc correndo e caminhando, contemplamos Barcelona de cima e nos dias seguintes demos um tempo, porque depois de correr ainda andávamos o dia inteiro. A dica da corrida só voltou a ser aplicada mais de uma semana depois.
E então Banksy, minha segunda dica.
O Museu Banksy Barcelona é uma das grandes atrações não óbvias da cidade (Madri também tem um), reunindo mais de 130 trabalhos do artista britânico, boa parte murais em tamanho real. Separe umas duas horas para ficar ali alucinando com a criatividade com que ele mescla críticas sociais e ironias a elementos das cidades.
Me chamou particularmente a atenção o fato de que o icônico mascarado de Bansky prestes a atirar um ramalhete de flores em vez de um coquetel molotov foi grafitado originalmente em 2003 em Jerusalém. Muito apropriado.
Outro destaque são suas críticas ao turismo. Uma delas era um painel sobre a Dismaland, versão sinistra da Disneylândia que ele montou na Inglaterra com 58 artistas. Enquanto eu ainda sorria para isso, me vi diante de um painel de nove quadros com um cruzeiro imenso intimidando gôndolas em Veneza.
Em poucos dias eu mesmo embarcaria em um cruzeiro. Banksy também tinha uma crítica para o turista que gostava dele.
¹ Franco adotou o horário da Alemanha nazista em 1942, o que foi mantido e faz com que na Espanha o sol nasça quando o dia está uma hora à frente do vizinho Portugal. Assim, em um dia de sol nascendo às 7h pelo horário espanhol, por exemplo, o dia nasce às 6h para os portugueses, o que explica o porquê de os espanhóis encherem as ruas (e saírem delas) um pouco mais tarde.
Texto 4: Veja um concerto em um dos palácios mais bonitos da Espanha
