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ENTENDA

Saiba como funciona um impeachment de ministro do STF e se a Corte pode interferir

Advogado constitucionalista e professor explica o andamento do processo

Francisco Costa
Goiânia | 01/09/2025

Senado soma centenas de pedidos de impeachment de ministros do STF | Foto: Rosinei Coutinho/STF

O Senado soma centenas de pedidos de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O trâmite depende do presidente da Casa Alta, que atualmente é o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). O parlamentar, por sinal, já deu sinais de que não pautará a medida. Apesar disso, muitos querem entender como funciona o processo e, principalmente, se pode haver algum tipo de interferência da própria Corte no processo. 

Para discutir o funcionamento da medida, O Segmento conversou com o advogado constitucionalista e professor Clodoaldo Moreira. A conversa você confere na íntegra, a seguir.

Entrevista

O Segmento: Para começarmos, poderia nos dar uma visão geral sobre o que é o impeachment e como ele se aplica aos Ministros do STF?

Clodoaldo Moreira: O impeachment, em sua essência, é um processo de responsabilização política de altas autoridades por crimes de responsabilidade. Embora seja mais conhecido por sua aplicação a presidentes da República, ele também se estende a outras figuras, como os ministros do Supremo Tribunal Federal. No Brasil, a base legal para isso está na Constituição Federal e, de forma mais detalhada, na Lei nº 1.079, de 1950. É um mecanismo crucial para o controle do poder, garantindo que mesmo as mais altas esferas do Estado estejam sujeitas à fiscalização.

O Segmento: Agora, vamos ao ponto central: como funciona, passo a passo, o processo de impeachment de um Ministro do STF? Poderia nos guiar por esse trâmite?

Clodoaldo Moreira: Certamente. É um processo que, embora previsto em lei, nunca foi concluído com a destituição de um Ministro do STF em nossa história. Ele é predominantemente político e se desenrola no Poder Legislativo, especificamente no Senado Federal. Vamos detalhar as etapas:

Denúncia: Tudo começa com a denúncia. Qualquer cidadão brasileiro tem o direito de apresentar uma denúncia por crime de responsabilidade contra um ministro do STF. Essa denúncia deve ser formalizada e protocolada na Mesa Diretora do Senado Federal.

Análise preliminar no Senado: Uma vez recebida a denúncia, o Presidente do Senado Federal tem um papel fundamental. Ele realiza uma análise preliminar para verificar se a denúncia possui os requisitos formais mínimos e se há indícios que justifiquem a sua tramitação. É uma etapa crucial, pois o Presidente pode, inclusive, arquivar a denúncia se a considerar inepta ou sem fundamento. Se ele entender que há elementos, a denúncia é então encaminhada para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, a famosa CCJ do Senado.

Parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ): Na CCJ, um relator é designado para analisar o caso em profundidade. Esse relator elabora um parecer, que pode ser pela admissibilidade (ou seja, que a denúncia deve prosseguir) ou pela inadmissibilidade (que deve ser arquivada). Durante essa fase, o Ministro denunciado tem o direito de apresentar sua defesa, exercendo o contraditório. O parecer do relator é então votado pelos membros da CCJ.

Votação no plenário do Senado (Admissibilidade): Se o parecer da CCJ for favorável à admissibilidade, a denúncia é levada ao Plenário do Senado Federal. Para que o processo de impeachment seja formalmente instaurado, é necessária a aprovação por maioria simples dos senadores presentes. Se essa votação for positiva, o Ministro é notificado, e o processo avança para a fase de instrução, onde o Senado passa a atuar de forma mais próxima a um tribunal.

Instrução processual: Esta é a fase de coleta de provas. O Senado Federal, agindo como um tribunal, realiza oitivas de testemunhas, solicita documentos e promove todas as diligências necessárias para apurar os fatos alegados na denúncia. O Ministro denunciado tem garantido o amplo direito de defesa, podendo produzir suas próprias provas e apresentar seus argumentos. É importante destacar que a presidência dessa fase é do Presidente do STF, que conduz os trabalhos, mas sem direito a voto.

Julgamento final no Senado: Após a conclusão da instrução, o processo retorna ao Plenário do Senado para o julgamento final. Novamente, a sessão é presidida pelo Presidente do STF. Para que o impeachment seja aprovado e o Ministro seja efetivamente destituído do cargo, é exigida uma votação qualificada: dois terços dos membros do Senado Federal, o que corresponde a 54 dos 81 senadores. A condenação resulta não apenas na perda do cargo, mas também na inabilitação para o exercício de qualquer função pública por um período de oito anos.

O Segmento: Um ponto que gera muita dúvida é se, após todo esse trâmite no Senado, o próprio STF ainda pode analisar a constitucionalidade do impeachment. Como funciona essa questão da revisão judicial?

Clodoaldo Moreira: Essa é, de fato, uma das questões mais delicadas e debatidas. Para entender, precisamos primeiro compreender a natureza jurídica do impeachment.

Tradicionalmente, ele é visto como um processo de natureza político-administrativa, e não judicial. Isso significa que a decisão do Senado não é uma sentença judicial no sentido estrito, mas um juízo político que envolve conveniência e oportunidade, além da análise da conduta do agente público.

No entanto, isso não significa que o STF esteja completamente alheio ao processo. O Supremo Tribunal Federal pode, sim, atuar no controle de aspectos formais e procedimentais do impeachment. Ou seja, o STF pode verificar se o rito previsto na Constituição e na Lei nº 1.079/1950 foi rigorosamente observado. Ele garante o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. A Corte não adentra o mérito da decisão política do Senado – ela não vai julgar se o Ministro cometeu ou não o crime de responsabilidade. O que o STF analisa é se o processo que levou à condenação foi conduzido de forma constitucionalmente válida.

O Segmento: Então, o STF não pode anular um impeachment por discordar do mérito da decisão do Senado, mas pode fazê-lo se houver falhas no procedimento?

Clodoaldo Moreira: Exatamente. É uma distinção crucial. O STF atua como guardião da Constituição e da legalidade do processo. Se houver uma violação grave a direitos fundamentais do acusado, ou se o rito legal não for seguido, o STF pode intervir para corrigir essas falhas formais. Por exemplo, se o Ministro não teve direito à defesa, ou se a votação não atingiu o quórum necessário, o STF poderia anular o processo por vício formal. Mas ele não pode dizer que o Senado errou ao considerar uma conduta como crime de responsabilidade, pois isso seria invadir o mérito político da decisão.

O Segmento: Quais são os principais argumentos a favor e contra essa possibilidade de revisão judicial, mesmo que limitada aos aspectos formais?

Clodoaldo Moreira: Há argumentos robustos de ambos os lados. A favor da revisão judicial, mesmo que formal, temos:

Princípio da inafastabilidade da jurisdição: A Constituição Federal garante que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário. Se um processo de impeachment violar direitos, o Judiciário deve poder atuar.

Devido processo legal: A garantia de um processo justo, com observância de todas as normas legais e constitucionais, é um direito fundamental. O STF, como guardião da Constituição, deve assegurar que o impeachment respeite essas garantias.

Controle de Atos Políticos: Embora o impeachment seja um ato político, ele não está imune ao controle de constitucionalidade. O STF pode atuar para evitar abusos ou desvios de finalidade que desvirtuem o processo.

Por outro lado, os argumentos contra uma revisão judicial mais ampla, especialmente de mérito, são:

Separação de poderes: Uma intervenção do Judiciário no mérito de uma decisão política do Legislativo poderia configurar uma violação ao princípio da separação de poderes, invadindo a esfera de competência do Senado.

Natureza política do impeachment: Se o impeachment é essencialmente político, o Judiciário não deveria se imiscuir em questões que envolvem juízos de valor e conveniência política, que são próprios do Legislativo.

Risco de judicialização excessiva: Uma revisão de mérito pelo STF poderia levar a uma judicialização excessiva da política, com o Supremo se tornando uma instância recursal para decisões políticas, o que poderia gerar instabilidade e enfraquecer as instituições.

O Segmento: E há algum precedente ou discussão relevante sobre isso, mesmo que não seja um impeachment de Ministro do STF que tenha sido concluído?

Clodoaldo Moreira: Sim, embora não tenhamos um caso de impeachment de Ministro do STF que tenha chegado ao julgamento final, as discussões sobre o tema e precedentes em outros processos de impeachment, como o da ex-Presidente Dilma Rousseff, indicam que o STF tem se limitado ao controle formal do processo. Ministros como Gilmar Mendes já se manifestaram publicamente afirmando que o STF pode analisar a validade do processo de impeachment contra seus próprios integrantes, mas sempre sob a ótica da constitucionalidade formal e processual, e não do mérito da decisão política. Em resumo, o STF atua como um fiscal da legalidade e constitucionalidade do rito do impeachment, garantindo que as regras do jogo sejam seguidas, mas sem substituir o juízo político do Senado Federal.



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