
ESPECIAL / EUROTRIP
É temporada turística, mas não atire neles
Jornalista que em um mês percorreu oito ilhas europeias mais Atenas, Barcelona e litoral turco fala do hiperturismo neste primeiro texto de uma série que O Segmento publicará em junho e julho







“Por que chamar de temporada turística se não podemos atirar neles?”, lamentava o escrito em inglês e tinta preta na parede de uma das casas-cubo brancas em Creta, que aliás também tem casarios de cor ocre.
Não estava pichado, mas adesivado com uma fonte fina, elegante e sincera, mal podendo ser lido por quem caminhava na calçada oposta, como se o manifestante quisesse se contrapor também esteticamente à vulgaridade do turismo.
Em alguns outros escritos na Europa fui mandado para casa por meio do sintético “tourists go home”, quase sempre estampado em letras pequenas.
“Natives go homeless” (em tradução livre, "os nativos vão ficar sem casa"), trocadilhei um dia, lembrando o quanto o turismo movimenta a economia dessas cidades, sem deixar de entender quem protesta.
Eu poderia tentar me imaginar um viajante, não turista, mas o fato de a minha viagem de 28 dias incluir uma semana de cruzeiro não ajudava muito. Já nos anos 1930 o escritor britânico Evelyn Waugh ironizou que “nós somos viajantes e cosmopolitas, o turista é o outro camarada”. Relaxei e me aceitei como alvo.
Meu primeiro destino era Barcelona, onde moradores inconformados com o hiperturismo – no ano passado a cidade recebeu de visitantes 16 vezes o total da sua população – às vezes usam pistolas d’águas contra quem é de fora.
Perto de um parisiense, que tenta acertar você com moedas do troco do metrô ou derruba com um tapa o copo plástico que você está prestes a encher de suco laranja, explicando que o horário do café acabou há dois minutos, soa quase lúdico, mas no dia 15 de junho um protesto foi além e demandou intervenção policial.
A Espanha recebeu, no ano passado, 94 milhões do quase 1,5 bilhão de chegadas de turistas no planeta em 2024, só perdendo para, justamente, a França. A demanda por hospedagem desestimula os proprietários a alugarem os imóveis, que se tornam mais rentáveis se alugados para turistas. Isso gerou uma crise de moradia, e em resposta o governo espanhol removeu mais de 60 mil anúncios da plataforma do Airbnb.
Aversão aos estranhos
Depois de cinco dias em Barcelona eu entraria no cruzeiro, que passaria por Palermo, na Itália; Kuşadasi, na Turquia; e Creta e Mykonos, na Grécia, país da língua de origem (no século 19, não antigamente, como se pode pensar) do termo xenofobia, “xenos” significando estranho, estrangeiro e até mesmo hóspede, e “phobos”, medo ou aversão.
Depois, eu ficaria uma semana e meia em Atenas, Santorini e Paros, ainda na Grécia, e por fim cinco dias no arquipélago de Malta (ilhas de Malta, Gozo e Comino).
Eram todos destinos de hiperturismo, com oito ilhas no meio do caminho, e nas de Malta eu estaria já na primeira semana de junho, começo da alta temporada europeia. Quantas frases hostis, caras fechadas e jatos d’água me esperavam?
Mas não foi só na xenofobia que pensei antes de ir.
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