Publicidade


ESPECIAL / EUROTRIP

Apesar das partes duvidosas, cruzeiros valem a pena

Neste quinto texto da série sobre viagem pela Europa, jornalista pondera sobre o que empolga e o que incomoda nos navios

Thiago Momm
Goiânia | 09/07/2025

Texto 4: Veja um concerto em um dos palácios mais bonitos da Europa

Até hoje não sei muito bem o que eu acho de cruzeiros.

Quer dizer: acho muitas coisas de cruzeiros, o que não tenho é uma síntese, como quem julga que o conforto justifica embarcar em todos os navios de 13 andares que conseguir, quem os julga bregas e barulhentos etc. Na verdade, acho diferentes coisas de cada parte do navio, para não falar de variações entre companhias e propostas de viagem.

Arriscando algo panorâmico, acho um cruzeiro um pouco um triturador de individualidades, por causa de algumas atividades de manada, mas por outros ângulos uma ideia muito defensável; um potencial não totalmente realizado, mas também uma semana de inoculação de um relaxante poderoso.

Acho certas atividades (como um concurso de barrigadas ou qualquer melodia caribenha com teclado) uma violação da dignidade introspectiva humana, mas acho que um monte de atrativos muito bons, nada pegajosos, são desconhecidos de não cruzeiristas.   

Fiz três cruzeiros, os outros dois há muitos anos. Tenho uma relação de apego e desgosto com a piscina principal, porque curto cair na água, mas nem sempre suporto a música alta, que exige que você se torne mentalmente duplo para conseguir ler um livro nas espreguiçadeiras (e vi muitos gringos com livros por ali).

Concordo que um pancadão eletrônico têm muito a ver com férias, navegação, álcool & céu azul, mas poderiam rolar tréguas não sonorizadas maiores (só notei algumas nos finais de tarde) e a eletrônica poderia nunca, nunca dar vez ao teclado jamaicano.

Existe a piscina secundária, sem música, mas no caso desse último cruzeiro que fiz ela ficava sob um espesso vidro retrátil que em nenhum momento foi aberto, tornando o sol ali tão incandescente quanto o de uma manhã escandinava de janeiro.

Mas um cruzeiro, claro, não são só piscinas. O pub do sexto andar, com suas cervejas fortes, me apeteceu muito. Uma violinista e uma pianista tantalizantes tocaram em vários ambientes, assim como uma guitarrista clássica com flamenco no repertório.

Cassino e lojas são para mim lugares só de passagem. Um quiz diário de conhecimentos gerais em um barzinho estava bom. Havia uma sala de leitura silenciosa no 13º, onde à noite funcionava uma balada. As apresentações no teatro merecem um oito (propostas às vezes caricatas, artistas sempre qualificados). Minha noiva gostou da parede de escalada.

O concurso de barrigadas, pelo que vi, não teve inscritos.  

Considero a Royal Caribbean uma ótima companhia marítima. A qualidade das cabines, o jantar de bistrô (no restaurante incluso, mesmo, não nos pagos) e o pantagruélico café da manhã são trunfos óbvios. Alguns navios deles, para até 2 mil e tantos passageiros, e não 4 mil, como tantos, são menos festeiros. Aí vai do que se busca.

O roteiro que fiz (Palermo, Itália; Kuşadasi, Turquia; Creta e Mykonos, Grécia) significou acordar com pedaços matinais de ilhas enquadradas pelas janelas da cafeteria. Todos esses lugares estavam excepcionais, mas é agridoce ficar poucas horas neles e zarpar.

Consegui, em todo caso, que meu cruzeiro fosse parte de uma viagem maior, sete dias de 28, então depois pude explorar melhor lugares como aqueles em que ele passou.

É óbvio que entendo as críticas aos cruzeiros. Além do que ponderei no começo, eles despejam hiperturismo nos lugares e impactam, por viajante, muito mais o meio ambiente do que as viagens por terra e até pelo ar.

Esses podem ser bons motivos para não se fazer um cruzeiro, mas daí a desqualificar a experiência como um todo acho um pouco de rigidez opinativa.

Um texto sarcástico sobre cruzeiros que não se pode perder é um ensaio que David Foster Wallace publicou na revista Harper’s em 1996, no Brasil traduzido no livro “Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo” (Companhia das Letras).

O cruzeiro, escreve o deprimido Wallace, o deixou “insuportavelmente triste” e “desesperado”. Ainda assim, seu texto faz mais rir que qualquer coisa. Vale muito a pena.



Publicidade
Expediente
  • Jornalismo
  • - Felipe Cardoso
  • - Francisco Costa
  • Site
  • - Aurélio Oliveira
  • Charge
  • - Thiago Dornelas
Entre em contato
  • E-mail: jornalosegmento@gmail.com
  • Whatsapp: (62) 98132-0582 | (62) 99302-6445