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ENTRE VAGAS E VÁCUOS

O profissional que ninguém encontra e a empresa onde ninguém quer trabalhar

De estagiários a especialistas e de gestores a recrutadores, a reportagem mostra o porquê do mercado de trabalho goianiense viver um ciclo de frustração mútua e como romper esse padrão

Stéfany Fonseca
Goiânia | 03/10/2025

Em 2025, o setor da construção civil foi responsável por 3.923 vagas de emprego em Goiânia | Foto: Marcello Casal/ABr

O mercado de trabalho em Goiânia vive um paradoxo: de um lado, empresas lutam para encontrar mão de obra qualificada; de outro, profissionais enfrentam dificuldade para encontrar vagas que valorizem seu potencial. O que parece ser apenas um descompasso é, na verdade, um reflexo de desafios estruturais, históricos e culturais que exigem respostas ousadas, criativas e urgentes. Esse cenário, que lembra um estratégico "jogo de gato e rato", exige a redefinição das táticas de conexão entre oferta e demanda. O Segmento apurou como as empresas estão reagindo a essa pressão, com foco na tecnologia e nas iniciativas.

Em meio ao cenário, um setor em particular se destaca pela urgência: a construção civil. Em 2025, apenas esse setor foi responsável por 3.923 vagas formais abertas em Goiânia, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). O número só é superado pelo setor de serviços. No entanto, o volume de vagas não reflete, necessariamente, na capacidade do mercado em supri-las com qualidade.

“Escassez de profissionais envolvidos é o tema central quando falamos do mercado de trabalho em Goiás e também em Goiânia”, alerta a economista e professora da Universidade Estadual de Goiás, Adriana Pereira. “Já há alguns anos que a base econômica do município tem sido modificada. Porque cresce a demanda, mas trabalhadores para ocupar postos estratégicos não evoluem com a necessidade da demanda”, explica.

A leitura de Adriana é clara, Goiânia já não é apenas uma capital administrativa. A cidade se tornou polo de serviços, logística, saúde e agronegócio. Essa transição amplia a necessidade de profissionais especializados e acende uma luz de alerta nas empresas, que precisam agir rápido para não perder a corrida por talentos.

A construção civil no centro da disputa

Se há um exemplo concreto dessa disputa, ele está na MRV&CO, maior construtora da América Latina. A empresa transformou seu programa de estágio em uma verdadeira usina de talentos, conectando desenvolvimento técnico com cultura organizacional.

“Com a iniciativa do programa de estágio, temos o objetivo de formar futuros engenheiros alinhados com a cultura da empresa”, afirma Matheus Machado, gestor de Desenvolvimento Humano da MRV&CO. A estratégia é não apenas captar talentos, mas moldá-los desde cedo, minimizando a dependência de profissionais já prontos, que estão escassos.

No entanto, o desafio é mais profundo. “Assim como em outras regiões do Brasil, o setor de construção civil vem enfrentando diferentes desafios. Por isso, a MRV tem investido de forma contínua em programas de capacitação e desenvolvimento de seus colaboradores, buscando não apenas formar equipes habilitadas, mas também contribuir para o fortalecimento do mercado de trabalho local”, complementa Machado.

“Fui estagiária. Hoje sou efetiva”

Amanda Mota Silva, de 22 anos, é o retrato da estratégia que deu certo. Ela iniciou como estagiária na MRV e, apenas cinco meses depois, foi efetivada como auxiliar de engenharia. Para Amanda, a escolha foi técnica, mas também emocional.

“Escolhi a empresa porque vi uma oportunidade de crescimento. Sempre soube que é uma das maiores construtoras da América Latina. E o que me chamou a atenção foi que muitos profissionais que hoje ocupam cargos importantes começaram como estagiários. Isso mostra que a empresa valoriza quem está dentro e dá espaço para evoluir”, relata a auxiliar.

Na hora de decidir onde trabalhar, Amanda foi criteriosa. “O principal é saber se a vaga tem potencial de aprendizado e, principalmente, se existe um plano claro de carreira, oportunidade de crescimento e reconhecimento”, destaca. Os benefícios também pesaram: “O vale-alimentação, plano de saúde, day off, Gympass e outros incentivos mostram que a empresa valoriza o bem-estar. É importante estar em um lugar que oferece boas condições. Isso é um diferencial”.

Benefícios, salário ou ambiente?

A discussão sobre o que realmente importa ao buscar uma vaga ganha ainda mais camadas com a fala de Aldenuza Araújo, secretária jurídica em uma empresa da capital. “Geralmente, procuro avaliar todos esses pontos de forma equilibrada, mas o ambiente de trabalho costuma pesar bastante. Estar em um lugar onde há respeito, colaboração e espaço para crescer faz toda a diferença no dia a dia", explica.
Aldenuza destaca que o clima organizacional, mais do que o pacote financeiro, define a permanência. “Desde o início, me senti acolhida e percebi que havia oportunidades de aprendizado e crescimento. Esses fatores fizeram com que eu me sentisse parte de algo maior e com vontade de construir uma trajetória aqui”, revela.

A secretária jurídica já recusou vagas com benefícios abaixo do esperado. “Acredito que é importante avaliar a proposta como um todo. Quando os benefícios não acompanham o restante da oferta, isso pode indicar que a valorização do colaborador não é uma prioridade, o que pesa na decisão”, alerta.

O LinkedIn como ponte ou atalho

Em 2023, segundo pesquisa da Jobvite, 87% dos recrutadores afirmaram utilizar o LinkedIn como ferramenta principal na busca por candidatos — o que consolida a plataforma não apenas como uma rede social, mas como um pilar estratégico da empregabilidade moderna. Em Goiânia, onde a competição por talentos especializados se intensifica, o LinkedIn tem reduzido distâncias, encurtado processos e ampliado o acesso a oportunidades que antes ficavam restritas aos círculos internos das empresas.
Mais do que um currículo digital, o perfil se torna vitrine, cartão de visitas e ponto de contato direto com recrutadores. Com recursos como o selo “Open to Work”, alertas personalizados de vagas, filtros que cruzam dados de localização, carga horária e tipo de contrato, a plataforma permite que candidatos naveguem com mais precisão e que empresas atinjam perfis cada vez mais segmentados.

A força do LinkedIn nesse contexto é reveladora, ele não substitui os caminhos tradicionais, mas redesenha o jogo, nivelando o acesso e pressionando empresas a apresentarem mais do que salários. Elas precisam mostrar cultura, propósito e valor real de pertencimento. Para um mercado em transformação como o de Goiânia, a presença digital deixou de ser diferencial, tornou-se decisão estratégica para quem quer competir e sobreviver.

O fio da meada

A especialista em recrutamento Daniela Lima enxerga as mudanças como reações, não como ações. “Na realidade, eu não vejo empresa motivada a entregar benefício. Eu vejo a empresa obrigada a melhorar o pacote de salário e benefícios. Elas estão sendo obrigadas por conta da falta de mão de obra”, afirma.
Segundo a especialista, benefícios como assistência médica, seguro de vida, alimentação e remuneração variável têm crescido, mas ainda com pouca estratégia. “Sempre que um cliente me procura, eu componho esse pacote baseado em alguns pilares, como benefício com assistência médica, odontológica e refeição, e a variável baseada em metas individuais, setoriais e da empresa”, explica.

Daniela não poupa críticas: “O maior desafio hoje é a mão de obra comprometida. Temos uma escassez em todos os níveis, principalmente nos de base. Mas também temos empresas mal preparadas para receber essas pessoas. Elas não treinam bem, não dão feedback e depois reclamam da rotatividade”.

Mas o problema não está só na oferta. Daniela vai além, ao apontar um desafio estrutural que atravessa todo o mercado em Goiás e atinge diversas categorias: “Temos uma escassez em níveis de base, como na área de estoque, carregador e vendedores. E há também uma enorme carência de mão de obra desenvolvida com alto nível de especialização, principalmente nas áreas de indústria e marketing”.

Essa lacuna, segundo a especialista, revela um problema duplo: a falta de qualificação por parte dos profissionais e, ao mesmo tempo, a falta de preparo das empresas para desenvolver e reter talentos.
“A rotatividade nas empresas hoje não é alta, ela é altíssima. E mais alta ainda naquelas que não cuidam da parte de benefícios nem da gestão de pessoas”, critica Daniela. “Muitas vezes, o funcionário entra, é mal treinado, não recebe feedback, não é acolhido, e o gestor ainda acredita que está fazendo muito. Depois reclama que o colaborador saiu em três, seis meses. Mas também não fez esforço para mantê-lo bem”, observa.

Para Daniela, a equação é clara, sem qualificação técnica e sem acolhimento real, o ciclo de rotatividade se repete e o custo disso, para empresas e para a economia local, é altíssimo.

Por trás de cada currículo enviado, de cada vaga aberta e de cada entrevista realizada, existe uma engrenagem muito maior em movimento.

A trajetória de Amanda, que foi do estágio à efetivação em poucos meses; o olhar criterioso de Aldenuza, que coloca o ambiente de trabalho como prioridade; os dados e alertas da economista Adriana, que enxerga na escassez de profissionais um entrave ao desenvolvimento sustentável da cidade; as análises incisivas de Daniela, que denuncia tanto a falta de qualificação quanto a despreparação das empresas para acolher e formar seus talentos; e as estratégias adotadas por Matheus, que aposta na formação interna como solução para um mercado cada vez mais competitivo; todos esses personagens revelam um cenário onde o desequilíbrio entre oferta e demanda de trabalho vai além da superfície.

Em Goiânia, a dificuldade das empresas em reter profissionais não se resume a salários ou benefícios, ela nasce da urgência de resultados em um ambiente que ainda forma pouco, capacita mal e valoriza com atraso. Ao mesmo tempo, trabalhadores avaliam não só a remuneração, mas também o sentido do trabalho, a qualidade da gestão e as possibilidades reais de crescimento.

Nesse jogo, o que está em disputa não é apenas uma vaga, mas o modelo de futuro que a cidade está disposta a construir. 



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