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ARTIGO

A decisão de Gilmar Mendes e o equilíbrio institucional: uma análise constitucional

O impeachment como ferramenta de responsabilização

Clodoaldo Moreira
Goiânia | 04/12/2025

Gilmar Mendes, ministro do STF | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes restringe ao Procurador-Geral da República (PGR) a competência para pedir impeachment de magistrados da Corte. Ou seja, só a PGR pode denunciar ministros da Corte ao Senado por eventualmente crimes de responsabilidade. 

Vocês sabem, o debate sobre o impeachment de ministros do STF sempre volta à tona, e quando isso acontece, somos chamados a olhar bem no fundo da nossa estrutura republicana. A recente decisão do Ministro Gilmar Mendes, nas ADPFs 1.259 e 1.260, não é apenas mais uma peça jurídica para declarar processos – ela é mexe com os fundamentos da nossa democracia. Estamos falando de independência judicial versus responsabilidade política, um dos dilemas mais delicados do nosso tempo.

Quando a Constituição de 88 foi escrita, o impeachment foi pensado como algo extremo, quase um último recurso. Um instrumento para casos graves mesmo, não para qualquer descontentamento político. Mas aqui está o problema: continuamos usando uma lei de 1950 para julgar situações que a Constituição atual nem imaginava. Esse descompasso sempre gerou ruídos, especialmente quando conversamos com os ministros que deveriam ser os guardiões maiores dessa mesma Constituição.

O que mudou: os três eixos da decisão

Um liminar de Gilmar Mendes que ainda precisa passar pelo crivo do Plenário atua basicamente em três frentes. Vou tentar explicar de forma mais clara:

1. Quem pode solicitar o impeachment

Como era antes: Qualquer cidadão que possuísse um CPF poderia protocolar um pedido de impeachment.

Como ficou agora: A competência foi restrita, e só o Procurador-Geral da República pode iniciar o processo.

Importância: Essa alteração cria um filtro mais técnico e responsável, evitando que o instituto do impeachment se transforme em uma arma política nas mãos de qualquer pessoa.

2. Quórum de aprovação no Senado

Como era antes: A maioria simples dos senadores presentes já era suficiente para aprovar o início do processo.

Como ficou agora: É comum a aprovação de dois terços (2/3) do Senado, o que corresponde a 54 dos 81 senadores.

Importância: A nova regra dificulta consideravelmente o início do processo, exigindo um consenso político muito maior, o que protege a magistratura de perseguições motivadas por descontentamento minoritário.

3. Motivo da abertura do processo

Como era antes: Decisões judiciais podiam servir de base para o pedido de impeachment.

Como ficou agora: Não é mais possível processar um ministro apenas por discordância em relação às decisões que ele proferiu.

Importância: Essa limitação protege o exercício da função jurisdicional, impedindo que diferenças de interpretação da lei sejam transformadas em “crime de responsabilidade”.

Minha visão como constitucionalista: entre a proteção e o controle

Vou ser franco com vocês. Dedico minha vida ao estudo da Constituição, e nessa decisão uma faca de duas gomas. Deixa eu explicar melhor os dois lados dessa moeda:

O lado positivo (e necessário)

Não tenho dúvidas: essa decisão representa um avanço importante na proteção do STF contra políticas de pressão descabidas. O Judiciário, pela sua própria natureza, às vezes precisa ir contra a maioria é para isso que ele existe. Se um ministro for processado toda vez que tomar uma decisão impopular, a gente mata a independência judicial. E sem independência judicial, quem protege a Constituição?

A regra antiga era quase um convite à instabilidade. Imaginem: qualquer pessoa insatisfeita poderia iniciar um processo de impeachment, e com maioria simples no Senado, você já tinha uma crise instalada. Isso não é fiscalização, é assédio institucional. A elevação do quórum e a blindagem do mérito das decisões fazem todo o sentido nesse contexto.

O lado problemático (e preocupante)

Agora, aqui mora um perigo que me incomoda bastante: concentrar tudo nas mãos do Procurador-Geral da República. Vamos combinar? O PGR é indicado politicamente. E se ele simplesmente decidiu não fazer nada? Se houver um desvio real, grave, e o PGR por motivos políticos ou de conveniência resolver ignorar?

Aí criamos outro problema: um sistema de freios e contrapesos onde um único ator pode trancar completamente um mecanismo constitucional. Isso não me parece republicano. A fiscalização não pode depender da boa vontade de uma só pessoa, por mais importante que seja uma carga.

Caminhos possíveis: como melhorar esse sistema

Olha, o Plenário do STF vai julgar essa liminar, e o Congresso pode (e deve) agir também. Tenho algumas sugestões que acho que ajudariam a equilibrar melhor as coisas:

1. Ajuste imediato na legitimidade

O Plenário deveria manter sim o quórum de 2/3 e a proteção do mérito nisso Gilmar acertou. Mas quanto à legitimidade, sugiro uma modulação: que o Presidente do Senado possa iniciar o processo caso a PGR se recuse injustificadamente, desde que haja um parecer técnico sério de uma comissão de juristas. Assim mantemos o filtro técnico sem criar um poder de veto absoluto.

2. Uma nova lei de impeachment

Falando sério: precisamos urgentemente de uma lei moderna para isso. A Lei 1.079/50 tem 75 anos! O Congresso precisa assumir a responsabilidade e criar um rito específico para impeachment de ministros do STF. Essa lei deveria:

Manter o quórum qualificado de 2/3 para começar qualquer processo
Criar um sistema misto de legitimidade: a PGR continua podendo iniciar, mas um terço dos senadores também poderia, desde que com parecer técnico
Definir robusto com claramente extremo o que é "crime de responsabilidade" e deixar bem claro que violência jurídica não é crime

3. Definir o que é crime de responsabilidade

Precisamos parar com essa zona cinzenta. Crime de responsabilidade de ministro do STF tem que ser algo objetivo: quebra grave de decoro, prevaricação, conduta que compromete a dignidade da função. Jamais pode ser simplesmente "votou diferente do que eu queria" ou "sua interpretação da Constituição não foi a que eu concordo".

A doutrina e a instrução precisam trabalhar nisso com urgência. Senão, continuamos nessa gangorra: ora com juízes apavorados, ora com juízes intocáveis. Nenhum dos extremos é saudável.

Considerações finais: estabilidade sem impunidade

Olha, a decisão do Gilmar gerou polêmica e com razão. O timing foi questionável, a forma monocrática também. Mas seria desonesto da minha parte não considerar que ela atacasse um problema real: o risco de termos de um STF constantemente intimidado por ameaças de impeachment político.

Um Judiciário com medo é uma Constituição fracassada. Simples assim.
Mas cuidado: o caminho não pode ser uma “cegueira total” que transforma ministros em figuras intocáveis. Também não pode haver uma "porta giratória" onde qualquer insatisfação vira processo. O equilíbrio não é meio responsabilidade sim, mas com critérios sérios e filtros robustos que garantem que o impeachment seja realmente o último recurso da República, não o primeiro impulso de insatisfação política.

O Plenário do STF e o Congresso Nacional têm agora nas mãos uma responsabilidade histórica. Podem aperfeiçoar esse mecanismo de uma maneira que proteja a independência sem matar a fiscalização. Ou escolha um dos extremos e eventualmente, pague o preço institucional dessa escolha.

A República está assistindo. E a História vai cobrar.



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